domingo, 29 de junho de 2008

Beats e Harleys

Mark era um cara estranho. Strange, really strange. Ia rodar os States naquela sua Harley velha, disse. Bye bye baby. Beijou-me os lábios, botou uma jaqueta de couro preta. Dei de ombros, fazer o quê? Só aparecia maluco na minha vida, Mark era mais um. Foi o que pensei. Sei lá, não esquento muito os miolos. Deixo rolar. Rock and roll. Tinha sido bom aquele tempo com Mark, vivíamos tranqüilos num trailer, deixei todo o conforto sem graça lá no Brasil, com minha família besta. Vamos comigo, honey? Disse batendo a mão no banco de sua Harley. Vou esperar por você aqui, baby, neste mesmo trailer, vai, meu Ulisses. Cuidado com as Circes do caminho. Ser Penélope me convinha naquele momento. Jack Kerouac e outros beats amontoados, algumas garrafas de vinho e tempo, muito tempo, tempo para percorrer todas as páginas, para olhar pela janela do trailer o céu mudar de azul para vermelho para amarelo. Dá mesmo para ver o céu desta janelinha? Tecer um tapete com beats. Mark, percorra todas as estradas que puder, sinta, deixe o vento maltratar seu rosto, secar os seus cabelos. Baby, baby, baby eu não te amo, I love you. Mark era um cara estranho, espírito aventureiro, muitos projetos ele tinha e eu o encorajava, encorajava sim. Mark, um café? Um café bem forte, não essa água rala que vocês tomam por aí. Preparei o café com amor e dedicação, Mark tomou duas canecas cheias, sentou-se no sofá, fechou os olhos, deixou passar meia hora. Abriu os olhos, pegou um livro e adiou o projeto de rodar o país na velha Harley. Sempre adiava, era só o efeito passar, era só eu preparar um café amargo. Pegou o meu Kerouac e eu peguei um Burroughs. Aquela Harley há anos não rodava mais, era um enfeite no nosso jardim.

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Imagem: Frutos de la passion, Lola Abellan.