quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Os trilhos

Quando cheguei à rodoviária de B.H. lá estava ele me esperando e fumando um cigarro. Ansioso, talvez. Aplicou-me um beijo na boca, pegou a minha mala e conduziu-me até o fusca emprestado. Esperava que eu não estivesse cansada, disse, pois os amigos - que eu ainda não conhecia - estavam esperando no bar. Eu tinha viajado de ônibus por mais de sete horas mas, de fato, não me sentia cansada. Não se cansa fácil aos dezenove anos.

Sempre detestei o gosto da cerveja porém, na época, gostava das conversas de bar e tolerava as chacotas dirigidas aos meus sucos de fruta. Lá estava um tipo meio hippie que estudava e tentava propagar as belezas do Esperanto. Escutava interessada, me interessava por tudo e por todos.

Tarde da noite fomos para casa, ou melhor, para o apartamento da mãe dele. Era lá que ele estava morando. Ao chegarmos ele colocou a mala sobre o tapete limpinho da sala e beijou-me com muito entusiasmo e em muitos lugares. Depois mostrou-me o quarto que sua mãe arranjara para mim e foi dormir no seu, não sem antes beijar-me mais uma vez e dizer-me que era importante que eu colocasse ordem na minha vida, sexual inclusive, que um dia ele seria um advogado bem sucedido e poderíamos ir juntos recomeçar a vida em algum lugar pouco provável, Tocantins, por exemplo. Para isso eu deveria resolver, eu deveria vir vê-lo com mais frequência, eu deveria evitar certas companhias, eu deveria……Boa noite!

No dia seguinte visitamos livrarias, bares, restaurantes, andamos por vielas e Belo Horizonte era fresca nesses dias sem congresso, sem horas, sem professores, sem palestras chatas…..Pela primeira vez eu estava livre em B.H e não ia permitir que ele acabasse com meu sossego me atazanando com essa novela de advogado bem sucedido, Tocantins e outras barbaridades. Bebi cappuccinos, sorri para os bêbados, fui a feiras e fugi das conversas sérias.

No Domingo à noite, intacta, entrei no ônibus e ele ainda me preveniu mais uma vez, eu deveria pensar bem e achar os trilhos, lindas crianças enfeitariam a nossa vida, ele advogado e eu, professora, por que não? Que eu pensasse bem…..Da janela o vi abanando a mão num gesto esperançoso. Algum tempo depois telefonou e disse que assim não dava pé, não íamos chegar a lugar nenhum. Eu era uma sem-rumo, não sabia o que queria. Argumentei, por orgulho e porque não estava acostumada a levar pés na bunda. Não, ele não queria tentar mais por que eu não sabia o que estava tentando. Pronto, era assim, que eu não me perdesse definitivamente na minha confusão. Passar bem.

Passei.
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Leila S. Terlinchamp
Charlotte Brontë
1816-1855
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quinta-feira, 4 de setembro de 2008

O quadro


[Obs:História baseada no conto ‘La Fresque’ retirado do livro “Chroniques de l’étrange” de Pu Songling (1640 – 1715), autor chinês que já foi traduzido para todas as línguas latinas exceto o português. Eu estou trabalhando na tradução de alguns dos seus contos (não do chinês, infelizmente, mas do francês e/ou inglês)em conjunto com uma pequena editora.]
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O quadro

Virgílio, originário de uma cidade do interior, encontrava-se na capital em companhia de seu amigo Pietro. Um dia caminhavam os dois sem destino certo por ruas e travessas quando encontraram um pequeno museu. O lugar estaria completamente deserto não fosse a presença de um velho empregado que cochilava quando eles entraram. Mal os viu, o homem compôs respeitosamente as roupas e, cumprimentando os dois visitantes, ofereceu-se para lhes mostrar o que considerava seu pequeno refúgio.
A sala principal abrigava máscaras e estátuas de personalidades ligadas à literatura, as paredes laterais eram cobertas por quadros pintados com tal delicadeza que se podia tomar por verdadeiras as figuras humanas ali representadas. Em um dos quadros via-se Ariadne sorridente, a palma da mão levantada, rodeada de outras mulheres de beleza quase comparável à dela. Sua figura, porém, se destacava e comoveu o coração de Virgílio. O olhar de Ariadne parecia um convite. Tanto concentrou-se na contemplação do quadro que perdeu o controle de si, seus pensamentos tornaram-se tão abstratos que entrou numa espécie de transe, sentiu o corpo tomar uma nova consistência, como se flutuasse num estranho nevoeiro - Subitamente estava dentro do quadro.
Assustado, Virgílio compreendeu que se encontrava em outro mundo. Ainda abestalhado sentiu que o puxavam furtivamente pela manga, virou-se: Ali estava Ariadne a lhe sorrir. Ela afastou-se repentinamente e ele a seguiu de perto pelas galerias sinuosas até a porta de um quarto, uma vez ali, ele hesitou, não ousava entrar. A moça voltou-se e acenou de forma tão convidativa que Virgílio não pode resistir. Percebendo que não havia ninguém no quarto tomou-a imediatamente nos braços sem que ela oferecesse resistência. Horas mais tarde, satisfeita , ela se levantou, fechou as cortinas e, depois de avisar que ele não deveria emitir sequer um ruido, saiu prometendo que voltaria quando a noite caísse. E assim foi, voltou nessa noite, na noite seguinte e outras até que numa dessas vezes ouviu-se lá fora, no meio de vozes exaltadas, passos fortes juntamente com um tilintar de correntes. Ariadne levantou-se apavorada e espreitou pela janela: era um dos guardas do palácio. À sua volta se encontravam todas as outras moças. “Onde está Ariadne?", perguntou o homem. "Estava indisposta, está descansando", respondeu uma em nome de todas tentando acobertar a moça que elas tanto amavam e a quem tanto apreciavam escutar. "Se alguma de vós estiver escondendo algo importante será pior para todas. Não criem problemas dos quais ninguém vos poderá defender". O oficial, com o seu olhar de águia, parecia prestes a dar busca no esconderijo. Ariadne só teve tempo de dizer: "Rápido, esconde-te debaixo da cama". Quanto a ela, abriu uma porta secreta na parede e desapareceu num segundo. Virgílio mal se atrevia a respirar. Lá fora, o barulho das vozes ia esmorecendo. Apesar do medo e do desconforto não tinha outro remédio senão esperar, muito quieto, pelo regresso da jovem pois, tão toldado se encontrava seu espírito, que já não sabia de onde tinha vindo...

Ao aperceber-se do súbito desaparecimento de seu amigo, Pietro, perplexo, perguntou ao velho o que se passara. "Foi ouvir as histórias de Ariadne", respondeu com um sorriso irônico nos lábios. "Onde?" "Não foi longe", atalhou o outro dirigindo-se ao quadro. Chegando-se à pintura bateu com um dedo e perguntou: "Porque demoras tanto?" Imediatamente surgiu no quadro a imagem de Virgílio, a face descomposta pelas emoções, a cabeça ligeiramente inclinada como se estivesse a ouvir alguma coisa. "Há muito tempo teu companheiro te espera”, prosseguiu o homem. Nesse momento ele caíu do quadro e ficou prostrado no chão, os olhos esbugalhados e as pernas a tremer. Assustadíssimo, Pietro perguntou-lhe o que acontecera. O amigo não sabia o que responder; na verdade, estava debaixo da cama quando ouvira um enorme fragor, como se mil homens tocassem a um só tempo um tambor gigantesco. Apavorado, saíra a correr da câmara.

Os dois amigos voltaram-se para o quadro; a jovem continuava ali diante das outras, mas sua mão, agora, segurava o véu. Surpreso, Virgílio voltou-se para o velho e perguntou-lhe a razão daquela mudança. "A ilusão nasce do espírito humano. Que outra explicação poderia lhes oferecer esse humilde servidor?"

Virgílio sentiu-se extremamente abatido, Pietro estava confuso. Ambos se levantaram e desceram as escadas que conduziam à saída.

Leila S. Terlinchamp

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Escultor

Escultor, feita por mim em algum lugar perdido de Formosa (Taiwan)