domingo, 27 de julho de 2008

O bife

Natal é sempre a mesma merda, entra ano sai ano, tudo igual. E foi num natal, justamente, que eu abocanhei aquele bife do meu pai. Antes, isso era regalia dele, para nós, só a gordura que sobrava e mamãe misturava numas batatinhas.

Lá se vão tantos anos, mas ainda lembro da cena: meu pai sentado com o prato na mão, preparando para meter os dentes no bife, nós, as crianças, brincando pelo chão e mamãe lavando vasilhas, foi então que o homem entrou, da porta mesmo, sem dizer bom dia, deu os tiros no meu pai que mal teve tempo de se assustar. Eu só tinha uma idéia na cabeça, o bife. Corri, peguei aquele pedaço suculento e comi num piscar de olhos. Os outros choravam apavorados. Só dei por mim depois de ter terminado de engolir. Ainda vi mamãe enxugar as mãos na roupa e sair pelo portão, tomar a rua e caminhar, caminhar, sem olhar para trás, nunca mais voltou. Fomos todos para o orfanato e agora, velha, estou aqui nessa casa de velhos. Hoje me aparece esse aí distribuindo balinhas, rindo e soltando uns ho ho ho fingidos. Quem precisa dele e desses bombons nessa velhice besta?

O que eu queria mesmo era poder comer de novo um bife igual àquele.